Nascido em 1920, o ex-deputado, economista e contador Alberto Hoffmann era secretário estadual da Agricultura em 1961, quando ocorreu o Movimento da Legalidade. Em entrevista concedida à Agência de Notícias da Assembleia, ele relembra alguns dos fatos marcantes desse período, quando a população gaúcha, liderada pelo então governador Leonel Brizola, foi para as ruas exigir que o vice-governador João Goulart assumisse a presidência após a renúncia de Jânio Quadros. "Era um sentimento gaúcho, sobre um (conterrâneo) gaúcho que estava sendo burlado no seu direito de tomar posse na Presidência da República", recorda.
Hoffman integrou a comitiva oficial do governo do Estado que foi até Montevidéu para acompanhar Jango em seu retorno ao País (o vice-presidente estava em visita oficial à China quando Jânio renunciou, e retornou ao Brasil via Uruguai e Porto Alegre). "Sentimos nele aquele ânimo mais pacificador, de não desejar uma revolução, não querer um derramamento de sangue e achar um meio de controlar a situação", diz, ao recordar o encontro.
Deputado estadual por três legislaturas (1951-1959 e 1963-1967), tendo presidido a Assembleia Legislativa em 1957 e 1958, Hoffmann também foi deputado federal por cinco mandatos (1959-1963 e 1967-1983) - ele licenciou-se do cargo entre fevereiro de 1959 e outubro de 1961 para assumir a Secretaria da Agricultura, onde acompanhou de perto a Legalidade. Foi ainda titular de várias secretarias de Estado, ministro e presidente do Tribunal de Contas da União no governo Figueiredo e senador no governo Collor.
Agência de Notícias - Qual a sua participação no Movimento da Legalidade?
Alberto Hoffmann – O governador Brizola designou a mim, como secretário de estado, e mais o Pedro Tassis Gonzales e o Waldemar Rodrigues, que eram dois deputados estaduais do PTB, para os três constituirmos a comissão que receberia Jango em Montevidéu. Para lá seguimos (em 1º de setembro de 1961) e encontramos então o João Goulart na embaixada brasileira. Sentimos nele desde o início aquele ânimo mais pacificador, de não desejar uma revolução, não querer um derramamento de sangue e achar um meio de controlar a situação. Logo em seguida fomos ao aeroporto, onde chegava um avião de Brasília, com uma tripulação grande e um único passageiro: Tancredo Neves, que vinha de Brasília para negociar o Parlamentarismo. E o que aconteceu posteriormente, poucos dias depois (em 3 de setembro), foi a aprovação da emenda parlamentarista. O Jango assumiu a presidência da República e o Tancredo Neves assumiu como primeiro-ministro. Mas ainda durante essas negociações, Jango retornou ao Brasil, vindo direto a Porto Alegre. E aqui eu estive presente quando Jango saudou a massa que estava em frente ao Palácio Piratini e queria que ele desse um grito de guerra. Ele nem falou, apenas abanou com simpatia para o povo naquele momento. Ele tinha um caráter mais pacifista que o Brizola, e há que registrar que houve até um esfriamento de relações entre os cunhados (Jango e Brizola eram cunhados - a esposa de Brizola, Dona Neusa, era irmã de Jango) naquele tempo. Mais tarde, com a iniciativa da emenda que derrubou o parlamentarismo, eles se reconciliaram plenamente (o parlamentarismo foi revogado em 6 de janeiro de 1963, com a realização de um plebiscito nacional).
Agência de Notícias - O senhor ficou em vigília no Palácio Piratini durante aquele período?
Alberto Hoffmann – Sim, isso aqui estava lotado de civil e "milico" dia e noite. Tanto o Palácio quanto a Assembleia Legislativa, que funcionava no Casarão da Duque, onde hoje é o Memorial do Legislativo, estavam cheios.
Agência de Notícias - Como foi a participação da Assembleia na Legalidade?
Alberto Hoffmann – Lembro da viagem que os deputados estaduais fizeram a Brasília. A Assembleia em peso esteve lá *. Nesse ponto (a união pelo) Rio Grande do Sul estava acima de tudo. Não era só porque o Brizola era o líder da Legalidade, convocando as rádios, mas porque era um sentimento gaúcho, sobre um (conterrâneo) gaúcho que estava sendo burlado no seu direito de posse na Presidência da República. O fato de Jango ser gaúcho mobilizou o estado.
Agência de Notícias - Como o senhor avalia o fato da maioria dos deputados estaduais, mesmo os de oposição, apoiarem o movimento?
Alberto Hoffmann – Foi uma posição de grandeza desta Casa, que tinha dado já tantos exemplos históricos em outras oportunidades. Na hora das grandes causas, a Assembleia acha uma solução conciliatória.
Agência de Notícias - Como foi a mobilização da sociedade durante esse período?
Alberto Hoffmann – Uns 70% do povo do Rio Grande estava do lado da legalidade, porque estava sendo rasgada a Constituição. Se a Constituição Brasileira dizia que tínhamos um presidente e um vice, quando o presidente renunciou o vice tinha que assumir. Isso era óbvio, independentemente do partido que cada um defendesse, da legenda que cada um tivesse. Tinha que ficar firme nessa posição a favor da legalidade, porque se a lei não valesse mais nada a anarquia estava imposta.
Agência de Notícias - Houve distribuição de armas para a população?
Alberto Hoffmann – Não tenho conhecimento disso. Haveria, se saísse a revolução. Se fosse pelo meu ex-chefe Brizola, sairia uma revolução. Pelo Jango, não saiu. Se tivesse saído uma revolução teria sido uma carnificina terrível. Não teria sido bom nem para o Rio Grande do Sul, nem para o Brasil.
Agência de Notícias – Qual a importância de Brizola para o Movimento da Legalidade?
Alberto Hoffmann – A posição dele de estar disposto a ir até as últimas consequências foi o que motivou a se encontrar uma solução. Foi muito importante no jogo democrático da época.
Agência de Notícias - Como o senhor avalia o movimento 50 anos depois?
Alberto Hoffmann - Foi um movimento de afirmação do estado. O Rio Grande do Sul já em outras épocas, como na Guerra dos Farrapos, teve uma posição mais firme do que outras unidades da nossa federação. Então foi, para usar nossos termos, uma gauchada de bom efeito e de boa posição.
* Em 30 de agosto de 1961, uma comitiva de 16 deputados estaduais gaúchos, com representantes de seis das oito bancadas existentes à época, voou para Brasília com o propósito de oferecer Porto Alegre como local seguro para sediar as atividades do Congresso Nacional.
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