A
Semana Farroupilha vivenciada de 13 a 20 de setembro, visa resgatar o
sentimento riograndense por meio de uma evocação histórica de
valorização e de exaltação do passado. A ligação entre o gaúcho
histórico e o tradicionalista foram assuntos abordados pelo Professor
José Augusto Fiorin. Para ele, gaúcho e tradicionalista são figuras
distintas e muitas vezes confundidos como um ser similiar. Fiorin trata de importantes elementos
históricos e sociais que fomentaram a construção da identidade cultural
riograndense.
Como se define o gaúcho?
Fiorin -
Historicamente o gaúcho é o tipo social que predominou na região da
campanha, onde hoje situa-se o estado do Rio Grande do Sul, em partes do
Uruguai e da Argentina. Partindo dessa ocupação, em um espaço conhecido
como “pampa”, durante o processo de colonização, o mesmo inicia suas
atividades voltadas ao pastoreio. Para muitos historiadores, ele é
originário a partir da matriz indígena, mesclado posteriormente com
espanhóis e portugueses, no processo de ocupação do território. Segundo o
relato de viajantes europeus que percorreram a Província do Rio Grande
de São Pedro no inicio do século XIX, esse tipo social é percebido com
características de “pilhador, contrabandista e sem moral social”. Mas,
é a partir dos conflitos travados nessa legião limítrofe, onde muitos
conflitos armadas ocorreram, é que o mesmo tipo social foi
reconstruindo sua identidade. Fatores como a literatura e até mesmo o
imaginário popular, possibilitam uma ressignificação do gaúcho
histórico, ocorrendo assim a construção da expressão gentílica gaúcho
rio-grandense. O cabe ressaltar que o gaúcho histórico fora um tipo
social habitante somente da região da campanha. Muito assemelhado com o
“Gaucho Platino” e sem semelhança peculiares com os povos de outras
regiões do Rio Grande do Sul.
Qual o papel do gaúcho na formação da identidade cultural rio-grandense?
Fiorin - Ele
possui um papel fundamental. Sua imagem é reconstruída, seus valores
são ressignificados, os episódios guerreiros em que o mesmo participa
são exaltados possibilitando a criação de um mito. Porém, percebo que a
afirmação da identidade cultural gaúcha vai ocorrer com a Revolução de
1930 quando Vargas chega ao poder no Brasil. Mas, aliado a isso, há uma
corrente da historiografia rio-grandense liderada pelo intelectual
Moysés Vellinho que, irá defender a matriz lusitana do gaúcho. Porém,
essa identidade vai se fortificar com a criação do movimento
tradicionalista e a edificação da estatua do laçador em Porto Alegre.
Esses aspectos ajudam a formar uma identidade tradicional, cujo mito
fundacional, talvez seja construído com as guerras e revoluções no
território, como por exemplo, o tão controvertido Conflito Farroupilha
de 1835.
Como surgiu o movimento tradicionalista? Essa representação ainda é forte?
Fiorin -
O tradicionalista é outro tipo social totalmente desvinculado do
gaúcho histórico. O tradicionalista visa identificar-se com o gaúcho
histórico, porém há um processo de ressignificação de imagem e de
identidade. Isto porque, o gaúcho pertence a um modelo de sociedade
alicerçada em um espaço tradicional de pastoreio. Já o tradicionalista,
que visa reviver o gaúcho em sua totalidade de manifestações, pertence
a um outro contexto histórico. O mesmo é fruto de uma sociedade
industrial, cujo movimento tem seu inicio na segunda metade da década
de 1940 no pós Segunda Guerra Mundial. Com isso, torna-se claro e
evidente as razões que levam a criação desse movimento. A necessidade
de identificação com a própria história, a exaltação e valorização do
local/regional em detrimento ao “american way of life” . A preocupação
de seus ideólogos, entre os quais, Paixão Cortes e Barbosa Lessa,
residia na construção de um modelo de preservação e conservação de um
passado, representado como “tradicional” em contraposição aos Estados
Unidos e seu modelo de imposição cultural.
Outro
aspecto, posterior a esse movimento de 1947-1948, como a Ronda Crioula
e a fundação do 35 CTG, está a reunião dos tradicionalista em
Congressos a partir de 1954, onde o “Sentido e o Valor do
Tradicionalismo” é defendido em uma muito bem argumentada tese escrita
por Barbosa Lessa. Porém, o movimento organizado somente iria se
constituir em meados da década de 1960, com a fundação do MTG, e a
partir de então constituir-se como o maior movimento organizado do
mundo, com representatividade alem do Rio Grande do Sul, em vários
estados brasileiros, nos EUA, Europa e Ásia.
Até que ponto é importante cultuar essas representações e símbolos culturais?
Fiorin - Em
primeiro lugar tem que destacar o caráter dinâmico da cultura. Como
historiador, vejo que mais importante que o passado é o presente.
Entendo que o movimento tradicionalista constitui-se em vários aspectos
que levaram a “invenção de uma tradição”, principalmente na
ressignificação da imagem e da identidade do gaúcho histórico, e nos
mecanismos de controle e princípios que devem seguir aqueles que
desejam identificar-se como tradicionalistas. Porém, o admirável é a
importante função social e o importante segmento cultural que esse
movimento constitui. Capaz de agrupar sob os CTGs distintos interesses:
do campeiro ao artístico, do lúdico ao gastronômico.
O que deve ficar claro é que nenhuma sociedade moderna consegue ser
“pura”. Hoje, todas as sociedades são “híbridas culturais”. Não há como
definir e selecionar o que é certo ou errado, o que é ou o que não é
tradição. Afinal, as atuais gerações de tradicionalistas, viverão
sempre na sombra de um passado e não construirão seu próprio modelo
cultural?