Na construção de um projeto de modernidade muitas
sociedades visam espelhar-se em um passado representado como tradicional, cujo
espelhamento possa lhe condicionar os parâmetros necessários a atuação no
cotidiano. Embora hoje, alguns teóricos apontam um processo de desconstrução
dessas identidades, por conta de uma instância maior, instituída por uma
“mundialização da cultura”, há o antagônico papel desempenhado por aqueles que
visam rememorar o passado, enaltecendo-o, cujo culto remete a um fator
importante de análise.
Com isso, podemos destacar que o Rio Grande do Sul,
por se constituir historicamente em um estado de fronteira, aponta
peculiaridades em suas manifestações culturais. A cultura possui um significado
expressivo nas manifestações da sociedade rio-grandense. Alguns habitantes do
estado visam identificar-se como tradicionalistas e buscam no passado elementos
que venham consolidar e justificar essa manifestação.
Hoje, verificamos que houve uma construção daquilo
que tornou-se um dos referenciais da identidade rio-grandense, com a simbologia
do gaúcho: seja na sua imagem ou na expressão gentílica. Esse trabalho visa
analisar se houve a apropriação da identidade do gaúcho histórico do século XIX
pelo tradicionalista do século XX. A reflexão sobre esse assunto surge na
tentativa de caracterizar e demonstrar a que contexto histórico e modelo de
sociedade gaúcho e tradicionalista pertencem.
Para enfatizar o pressuposto levantado, a abordagem
será constituída pela via da cultura, onde a ênfase e a discussão serão
construídas com base na história cultural e nos estudos culturais. No entanto,
analisar a construção do gaúcho histórico defrontando-o com o tradicionalista atual
torna possível verificar pontos distintos entre ambos.
E esse caráter de diferenciação é que nos faz
compreender como o gaúcho é (re)inventado e (re)significado no transcorrer na
história. Seja pelos discursos, seja pela prática política ou pela literatura.
Ao desenvolver esse trabalho, tomou-se como
preocupação inicial em não desenvolver uma crítica contundente aos ditames e
aos propósitos do movimento tradicionalista. Isso porque, entendemos que esse
possui uma importante função social e por ser uma manifestação cultural merece
ser respeitado e analisado.
Porém, é justamente nesse contexto de análise que
verificamos como ele se apropria de um passado inexistente condicionando uma
representação da imagem passada, cujo significado será alterado na sociedade
atual. A criação de uma nova imagem a esse tipo social está correlacionada a
necessidade da criação de um elemento mítico, que venha possuir um papel de
significância.
No primeiro capítulo são
tratadas questões teóricas que remete a compreensão de que conceitos serão
abordados na pesquisa. As noções expressas estão direcionadas a perspectiva
geral do trabalho. Com isso, tentou-se estabelecer determinadas noções de
identidade, cultura, representação e apropriação. Essa conceituação possui um
caráter significativo, porque é a partir de seus postulados que o objeto em
questão será discutido.
Com esses indicativos
teóricos, a reflexão acerca da identidade, da imagem e da representação do
gaúcho do século XIX se desenvolvem. Assim, dentro da perspectiva da história
cultural buscou-se construir elementos enfocando o discursos tantos verbais ou
imagéticos que visam representar o tipo social em questão.
Para caracterizar a
imagem e a conseqüente identidade do gaúcho do século XIX, no segundo capítulo
optou-se por realizar uma análise dos escritos que os viajantes europeus do
século XIX desenvolveram sobre o tipo social do gaúcho, bem como a imagética
representada por Jean Baptiste Debret.
A discussão sobre os
discursos de europeus que visitaram a Província do Rio Grande de São Pedro
durante o século XIX, somado a visão que a pintura de Debret e Molina
expressaram sobre o gaúcho rio-grandense e platino demonstram e caracterizam um
tipo social com atribuições distintas daquilo que o movimento cultural da segunda
metade do século XX tenta evocar. Assim, nesse capítulo temos uma dimensão sob
a perspectiva dos europeus, sobre o habitante deste território no período
delimitado pela pesquisa.
Para compreender o tipo de identidade criada
pelo tradicionalista do século XX, e, por conseguinte, o próprio movimento que
este irá idolatrar, fez-se necessário enfocar no capítulo terceiro alguns
aspectos que conduzem a construção dessa identidade tradicional.
Nesse contexto
encontramos vários elementos e manifestações que dão indício e talvez, nos
conduzam a uma compreensão dos condicionantes ao surgimento de um movimento que
visa “preservar a cultura”. Assim, tentou-se compreender aspectos de um
processo de transformação do gaúcho na formulação de um mito romantizado pela
literatura.
A influência literária
pode ser considerada um dos fatores que levam a construção de um outro
significado ao gaúcho. Além disso, o positivismo tão presente na sociedade
rio-grandense durante a República Velha, também torna-se um dos fatores
caracterizantes ao culto de uma tradição do passado.
Além disso, há uma outra
equivalência. Trata-se da construção da identidade regional. Partindo das
condições geradas pela Revolução de 1930 onde sobressai a identidade do gaúcho,
somada a visão que os intelectuais da Revista Província de São Pedro,
principalmente na perspectiva de Moysés Vellinho, vamos compreender como foi se
construindo outra imagem, aos poucos edificando o sentido gentílico à
expressão: gaúcho rio-grandense.
E por fim, buscou-se a
constituição de uma identidade do tradicionalista. No capítulo quarto, há a
tentativa da reconstrução de aspectos importantes da história do
tradicionalismo no Rio Grande do Sul, dando ênfase às principais linhas de
ações, teses e princípios que norteiam o movimento tradicionalista.
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