A CORTE NO BRASIL
No início do século XIX, a política expansionista de Napoleão
Bonaparte altera o equilíbrio político da Europa. O imperador tenta impor a
supremacia da França sobre os demais países. A Inglaterra resiste e Napoleão
decreta o chamado bloqueio continental: a proibição, sob a ameaça das armas, de
os demais países do continente negociarem com a Inglaterra. Portugal tenta uma
política de neutralidade, mas continua negociando com os ingleses. Em
represália, o imperador francês ordena a invasão de Portugal pelas tropas do
general Jean Junot. Firma com a Espanha o Tratado de Fontainebleau (1807), que
reparte o território português entre os dois países, dividindo-o em dois
reinos, Lusitânia e Algarves. Essa divisão não é posta em prática, mas a ameaça
de uma invasão francesa faz com que a família real portuguesa se transfira para
o Brasil.
Fuga da família real – Em outubro de 1807 os governos
português e inglês assinam um acordo secreto em que a Inglaterra se compromete
a ajudar a nobreza em fuga.
Começa , então, o que os historiadores caracterizam como o
momento do "salve-se quem puder". A notícia da fuga da família real
espalha-se, e Lisboa é tomada pelo caos. Apavorada, a população da cidade sai
às ruas para protestar contra os governantes que não hesitam em deixá-la
entregue à própria sorte.
Séquito real – Dia 29 de novembro, depois de
vários incidentes, a esquadra real parte de Lisboa escoltada por navios de
guerra ingleses. Vários nobres morrem afogados ao tentar alcançar a nado os
navios superlotados. Nas 36 embarcações, o príncipe-regente dom João, a família
real e seu séquito, estimado em 15 mil pessoas, trazem jóias, peças de ouro e
prata e a quantia de 80 milhões de cruzados, o equivalente à metade do dinheiro
circulante no reino. Em janeiro de 1808, a frota lusa chega à Bahia. O Brasil
passa a ser sede da monarquia portuguesa.
Dom
João VI
(1767-1826), filho da rainha dona Maria I e do príncipe dom Pedro III, herda o
direito ao trono com a morte do primogênito dom José. Em 1785, casa-se com dona
Carlota Joaquina, uma das herdeiras do trono espanhol. Dom João assume a
regência de Portugal em 1792, quando sua mãe enlouquece e enfrenta conflitos
internos e externos durante todo o seu governo. Na França, Luís XVI é executado
pelos revolucionários e as monarquias européias temem destino semelhante. Na
corte portuguesa, dom João sofre constantes tentativas de golpes tramados pela
esposa e pelo filho, dom Miguel. No Brasil, dona Carlota tenta derrubar dom
João e conspira com diferentes grupos da nobreza espanhola. Pretende conquistar
a Coroa da Espanha, unir os dois reinos e tornar-se imperatriz das Américas.
Quando dom João, de volta a Portugal, submete-se ao regime constitucionalista,
dona Carlota e dom Miguel assumem a luta pela autonomia do trono frente às
Cortes. Prendem dom João durante uma revolta em Lisboa, em 1824. O rei foge sob
a proteção dos ingleses e manda prender a esposa e o filho. Isolado na corte,
morre dois anos depois.
A corte
no Rio de Janeiro
– Em 7 de março de 1808, a
corte se transfere para o Rio de Janeiro. No primeiro momento, a mudança
provoca grandes conflitos com a população local. A pequena cidade, com apenas
46 ruas, 19 largos, seis becos e quatro travessas, não tem como acomodar de uma
hora para outra os 15 mil novos habitantes. Para resolver o problema, os
funcionários reais recorrem à violência, obrigando os moradores das melhores
casas a abandoná-las a toque de caixa. A senha P.R. (príncipe-regente),
inscrita nas portas das casas escolhidas, passa a ter para o povo o sentido
pejorativo de "ponha-se na rua". Apesar dos contratempos iniciais, a
instalação da realeza ajuda a tirar a capital da letargia econômica e cultural
em que está mergulhada.
Novas instituições – Toda a burocracia administrativa
do Estado português é remontada no Brasil. Para fazer frente às novas despesas
é criado, em 1808, o primeiro Banco do Brasil. Sua função é obter fundos para
cobrir os gastos suntuários da Corte, pagar os soldados e promover transações
comerciais. Instalam-se o Erário Régio, depois transformado em Ministério da
Fazenda; o Conselho de Estado; a Junta de Comércio; a Intendência Geral da
Polícia; o Desembargo do Paço; a Mesa de Consciência e Ordens (ou tribunal) e a
Junta Real de Agricultura e Navegação.
Repercussões
econômicas
Logo ao chegar, dom João decreta a abertura dos portos às
nações amigas, abolindo o monopólio comercial luso. A vida econômica muda
radicalmente. O séquito real amplia a demanda de bens de consumo e aumenta as
despesas públicas. O comércio se diversifica com a inundação de produtos
estrangeiros suntuários e o príncipe toma medidas de incentivo à indústria.
Estímulo às manufaturas – Dom João revoga o alvará de 1785,
que proibia as manufaturas brasileiras e autoriza a instalação de tecelagens,
fábricas de vidro e de pólvora, moinhos de trigo e uma fundição de artilharia.
Também facilita a vinda de artesãos e profissionais liberais europeus,
inclusive médicos e farmacêuticos. Dez anos depois da chegada da corte ao
Brasil, a população do Rio de Janeiro aumenta de 50 mil para 100 mil
habitantes.
Presença inglesa no Brasil – Até 1814 a abertura dos portos
beneficia exclusivamente a Inglaterra, que praticamente monopoliza o comércio
com o Brasil. Outros tratados firmados por dom João em 1810, o de Amizade e
Aliança e o de Comércio e Navegação consolidam ainda mais a presença inglesa na
colônia. O Tratado de Comércio, por exemplo, fixa a taxa de 15% para todas as
importações inglesas e de 24% para as de outras nações.
Abertura
cultural
Com a corte no Brasil, dom João toma várias iniciativas para
estimular a educação, a ciência e as artes na colônia. Promove várias missões
culturais, com a vinda de cientistas e artistas franceses, alemães e ingleses:
o pintor e escritor francês Jean-Baptiste Debret, o botânico francês Auguste
Saint-Hilaire, o naturalista alemão Karl Friedrich von Martius, o pintor alemão
Johann Moritz Rugendas e o naturalista e geólogo britânico John Mawe.
Centros culturais – São criadas a primeira escola
superior, a Médico-cirúrgica, em Salvador, em 18/2/1808; a Academia da Marinha,
em 5/5/1808, e a Academia Militar do Rio de Janeiro, em 4/12/1808; e a primeira
Biblioteca Pública (atual Biblioteca Nacional), também no Rio de Janeiro, em
13/5/1811. Cultura e ciências são também estimuladas com a criação do Jardim
Botânico e da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (depois Academia de
Belas Artes), em 4/12/1810.
Imprensa – O príncipe dom João instala a
primeira tipografia do Brasil e inaugura a Imprensa
Régia, em maio de 1808. Em setembro do mesmo ano começa a circular A gazeta do Rio de Janeiro. Publicada três vezes
por semana, a Gazeta não chega a ser um
jornal, mas um periódico que publica anúncios e atos oficiais da Coroa. A
imprensa brasileira nasce efetivamente em Londres, com a criação do Correio Brasiliense, pelo jornalista Hipólito
José da Costa. Apesar de favorável à monarquia, o jornal tem cunho liberal,
defende a abolição gradual da escravidão e propõe em seu lugar a adoção do
trabalho assalariado e o incentivo à imigração. O Correio braziliense circula entre 1808 e 1822,
sem interrupções.
Reino Unido
Com a derrota de Napoleão frente aos ingleses, a Europa passa
por um processo de reorganização de suas fronteiras internas. O Congresso de
Viena, realizado em 1815, exige que as casas reais destronadas por Napoleão
voltem a se instalar em seus reinos para, então, reivindicar a posse e negociar
os limites de seus domínios. Para cumprir essa exigência num momento em que a
corte portuguesa está instalada na colônia, dom João usa um artifício: em 16 de
dezembro de 1815 promove o Brasil de colônia a reino e cria o Reino Unido de
Portugal e Algarves. A medida agrada aos ingleses, que vêem com bons olhos a
instalação definitiva do governo português no Brasil. Em 1816, com a morte da
rainha dona Maria I, o príncipe-regente é sagrado rei, com o título de dom João
VI.
Conflitos internos e externos – Os gastos com a burocracia do
governo e manutenção da corte no Rio de Janeiro provocam um aumento excessivo
nos tributos cobrados nas regiões exportadoras. Nas primeiras décadas do século
XIX, a seca e a crise do setor açucareiro aumentam o descontentamento dos
senhores locais. Ao mesmo tempo, em Portugal, surge um movimento
antiabsolutista que exige maior participação das cortes, o Parlamento
português, nas decisões políticas do reino. A Revolução Pernambucana de 1817 e
a Revolução do Porto, em Portugal, em 1820, prenunciam os movimentos que vão
desaguar na independência do Brasil, em 1822.
Revolução
pernambucana
O mau desempenho da indústria açucareira no início do século
XIX mergulha Pernambuco em um período de instabilidade. Distantes do centro do
poder, a presença da corte no Brasil traduz-se apenas em aumento de impostos e
faz crescer a insatisfação popular contra os portugueses. Em 1817 estoura uma
revolta: de um lado, proprietários rurais, clero e comerciantes brasileiros, de
outro, militares e comerciantes portugueses vinculados ao grande comércio de
importação e exportação.
Governo revolucionário – Denunciado o movimento, o
governador Caetano Pinto manda prender os envolvidos. Os líderes civis não
oferecem resistência, mas o capitão José de Barros Lima, chamado de Leão
Coroado, mata o brigadeiro Manoel Barbosa de Castro ao receber ordem de prisão.
Seu ato deflagra um motim na fortaleza das Cinco Pontas e a rebelião ganha as
ruas. O governador refugia-se na fortaleza de Brum, no Recife, mas capitula e
em 7 de março embarca para o Rio de Janeiro. De posse da cidade, os rebeldes
organizam o primeiro governo brasileiro independente, baseado na representação
de classes, e proclamam a República. Enviam emissários aos Estados Unidos,
Inglaterra e região platina para pedir o reconhecimento do novo governo.
Procuram articular o movimento na Bahia, Alagoas, Rio Grande do Norte e
Paraíba, mas recebem adesões apenas nesta última.
A questão da escravidão – O governo revolucionário
compromete-se a garantir os direitos individuais, as liberdades de imprensa,
culto e opinião, mas divide-se na questão da escravidão. Comerciantes, como
Domingos José Martins, defendem a abolição. Os representantes do setor
agrícola, como Francisco de Paula, se opõem, temendo a repetição dos massacres
de brancos ocorridos no Haiti. A divergência impede a participação dos
combatentes negros e de suas lideranças, como o capitão mulato Pedro Pedroso.
Divididos e isolados do resto da colônia, os revoltosos não resistem por muito
tempo. São derrotados pelas tropas de dom João VI em 19 de maio de 1817. As
lideranças são presas e os líderes mais importantes são executados.
Cortes
Constituintes
A elevação do Brasil a Reino Unido a limenta o inconformismo em Portugal. Sob tutela
britânica desde 1808 e alijados do centro das decisões políticas do reino, a
nobreza e comerciantes que permanecem no território português reivindicam maior
autonomia. Cresce o movimento antiabsolutista e, em 24 de agosto de 1820, é
deflagrada a Revolução do Porto. Como conseqüência, em janeiro de 1821, as
Cortes Constituintes, o Parlamento nacional, que não se reunia desde 1689,
voltam a ser instaladas.
A pressão da metrópole – Interessadas em reativar o
monopólio colonial, as Cortes diminuem a autonomia do Reino Unido. Os delegados
brasileiros são minoria – dos 250 representantes, o Brasil tem direito a 75 e
nem todos viajam a Portugal para as seções. Em agosto de 1821, com 50 representantes
presentes, as Cortes decidem elevar os impostos sobre a importação de tecido
britânico pelo Brasil de 15% para 30% e exigem que dom João VI volte a
Portugal.